Abolição Violenta do Estado
Democrático de Direito
Reflexões sobre o crime e sua tipicidade
à Luz dos Acontecimentos de 8 de janeiro de 2023
O crime de abolição violenta do
Estado democrático de direito, tipificado no Código Penal Brasileiro, é
considerado uma das infrações mais graves, dada a sua natureza atentatória ao
funcionamento das instituições democráticas e à soberania popular. Contudo, em
situações como os eventos de 8 de janeiro de 2023, onde manifestantes radicais
invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, surge uma questão importante:
como garantir que as prisões e as condenações estejam em consonância com o
princípio da individualização da pena, sem que a punição recaia de forma
indiscriminada sobre todos os envolvidos, sem uma análise detalhada de suas
condutas?
Esse episódio, além de levantar
debates sobre a tipicidade do crime de abolição violenta, trouxe à tona a
problemática da prisão em massa e das penas desproporcionais, questionando se o
processo penal brasileiro tem sido capaz de equilibrar segurança pública e
justiça de maneira justa e equitativa.
O artigo 359-L do Código Penal,
introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), estabelece uma punição
severa para quem utilizar a violência ou grave ameaça com o objetivo de
destruir ou desestabilizar as instituições democráticas. Em tempos de crescente
polarização política, a criação de um tipo penal como esse é fundamental para
preservar a ordem democrática, que se alicerça na Constituição Federal e no
princípio da soberania popular.
A tipicidade desse crime exige a
utilização de meios violentos ou de grave ameaça. No entanto, o grande desafio
está em distinguir as condutas daqueles que realmente atentam contra o Estado
democrático e as ações de manifestantes ou indivíduos que, em algumas
situações, podem ter participado de forma mais passiva ou com um grau menor de
envolvimento.
Prisões em Massa e a Questão da
Individualização das Condutas
Após os atos de violência em
Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, foram presas milhares de pessoas
relacionadas aos ataques aos Três Poderes. No entanto, surgiram sérias críticas
sobre a ausência de uma individualização das condutas desses indivíduos. Muitos
dos presos eram manifestantes que, por diferentes razões, participaram de atos
de protesto, nem sempre com envolvimento direto nas ações violentas, como
depredações e invasões.
O princípio da individualização
da pena, consagrado na Constituição e no Código Penal, exige que cada caso seja
analisado de forma individualizada, levando em conta as circunstâncias do fato,
a autoria e a participação no crime, a intenção do agente e sua
responsabilidade. Contudo, a prisão de um grande número de pessoas, muitas
delas com menor envolvimento nas ações violentas, coloca em dúvida a
proporcionalidade das respostas do sistema de justiça.
Não se pode passar despercebido um
dos casos que ganhou notoriedade que foi o de uma cabeleireira condenada a mais
de 17 anos de prisão por, aparentemente, ter escrito a expressão "perdeu
mané" em uma estátua que simboliza a Justiça e está localizada em frente
ao Supremo Tribunal Federal, durante os protestos de 8 de janeiro. A acusada,
segundo relatos, não estava diretamente envolvida em atos de violência, mas sua
mensagem escrita, que foi apagada com água e sabão, foi considerada como parte
do movimento golpista que atentava contra as instituições democráticas.
A grande questão que surge em
relação a esse caso é: será que a punição aplicada a ela foi proporcional? A
pena de mais de 17 anos para alguém que aparentemente fez uma manifestação de
apoio em um contexto de violência política reflete um problema de distorção no
processo de responsabilização penal? É questionável se uma ação isolada, sem
envolvimento direto em atos violentos ou em tentativa de derrubar o regime
democrático, deve ser tratada da mesma maneira que ações de depredação,
incitação ao golpe ou tentativa de invasão de instituições.
Esse tipo de situação coloca em
evidência o risco de que, ao tratar de forma indiscriminada os participantes
das manifestações, sem observar as particularidades de cada caso, o sistema
judiciário possa acabar punindo de maneira desproporcional pessoas que, embora
possam ter cometido atos ilegais, não estavam no centro da violência ou da
tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.
A intenção do legislador ao criar
o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito, buscou garantir
a preservação das instituições democráticas diante de ameaças violentas. O
legítimo interesse do Estado é proteger a democracia e garantir que atos de
violência política sejam punidos severamente, dentro dos limites da severidade.
Contudo, a questão da
proporcionalidade das penas não pode ser ignorada. As penas excessivamente
severas, como no caso da cabeleireira, podem dar a impressão de que o sistema
de justiça está sendo rigoroso demais, punindo de maneira desmedida e sem a devida
análise das circunstâncias e intenções dos envolvidos. Essa abordagem pode
acabar gerando uma sensação de injustiça e desconfiança em relação ao processo
judicial, deixando transparecer um julgamento meramente político, principalmente
quando as ações de alguns indivíduos parecem ser muito mais brandas em
comparação com os atos de violência direta que marcaram o dia 8 de janeiro.
O episódio de 8 de janeiro trouxe
à tona a importância da individualização da pena e da proporcionalidade das
condenações. Embora a proteção do Estado democrático de direito seja essencial
e deva ser garantida com rigor, é igualmente importante que o sistema
judiciário atue com discernimento e análise crítica sobre as condutas
individuais de cada envolvido. A aplicação da pena deve ser baseada em provas
claras e deve respeitar os direitos fundamentais dos acusados, para evitar que
pessoas, que não participaram diretamente das ações violentas ou subversivas,
sejam punidas de maneira desproporcional. A justiça deve ser capaz de
diferenciar aqueles que são realmente responsáveis pela violência daqueles que,
por diferentes motivos, estiveram presentes nas manifestações, mas sem a
intenção de subverter a ordem democrática.
Portanto, a reflexão crítica
sobre esses casos é fundamental, pois surgiu a hipótese de anistia aos
condenados pelos atos antidemocráticos em uma acalorada discussão no Congresso Nacional e no país, para sanar as injustiças a que foram
submetidos, não apenas para preservar o Estado democrático de direito, mas
também para garantir que o sistema de justiça seja justo, proporcional e
humanitário.
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