Racismo Estrutural
e a Percepção da Justiça: Reflexões a partir do programa "Falas
Negras"
Ontem, “Dia da Consciência Negra”, a TV Globo exibiu o
programa Falas Negras, que trouxe um júri simulado dramatizado por
atores e atrizes. Era um caso fictício e abordava o julgamento de um suspeito
negro acusado de roubo seguido de morte. Embora fosse uma obra de ficção, a
produção levantou importantes questões sobre o racismo estrutural em nossa sociedade.
É essencial, entretanto, esclarecer que o sistema judiciário
brasileiro difere, significativamente, daquele retratado no programa, inspirado
no modelo norte-americano. No Brasil, o Tribunal do Júri é composto por sete
jurados, e não onze, como visto no episódio. Além disso, crimes como roubo
seguido de morte (latrocínio) não são de competência do Júri Popular. Esse tipo
de crime é julgado por um juiz singular, dado que sua natureza é patrimonial,
embora envolva resultado morte.
Essas diferenças procedimentais, no entanto, não ofuscam a
relevância da mensagem central que é o racismo estrutural que permeia a
sociedade brasileira, refletindo-se em todas as esferas, incluindo o sistema de
justiça.
O racismo estrutural, atente-se, é um fenômeno que vai além
de atitudes individuais ou casos isolados de preconceito. Ele é um sistema de
opressão que se manifesta nas instituições e práticas cotidianas, perpetuando
desigualdades raciais. No caso fictício apresentado, diversos aspectos chamam
atenção, vamos a eles:
- Reconhecimento
Dúbio do Réu: A mãe da vítima, há vários metros de distância,
reconheceu o réu de capuz correndo e apenas de costas, isso mostrado pelo
circuito de câmeras que flagraram a ação, numa situação de clara
fragilidade probatória. Além disso, as testemunhas o identificaram por
meio de catálogos fotográficos em delegacia de polícia, tirados não se
sabe de onde, uma prática criticada por sua subjetividade e alta taxa de
erros, que frequentemente prejudica pessoas negras.
- Suspeição
Automática: A cor da pele do réu parece ter sido um fator determinante
para a sua associação ao crime, um reflexo do imaginário social que
associa a figura do homem negro ao papel de criminoso.
- Sub-representação
nos Espaços de Decisão: No sistema judiciário, negros são minoria em
posições de poder, como magistrados, promotores e delegados, conforme
apontam dados nacionais. Essa falta de representatividade contribui para
decisões que, muitas vezes, carecem de empatia ou compreensão das
vivências das pessoas negras.
Dito isso, o programa Falas Negras expôs de forma
dramatizada uma realidade que muitos enfrentam diariamente. A desconfiança
automática, a criminalização de corpos negros e as falhas estruturais do
sistema de justiça são barreiras reais que reforçam a desigualdade racial no
Brasil.
Ao longo da minha carreira, imagino, depois de tanto atuar
nessa seara, que é necessário:
- Ampliar
o debate sobre racismo estrutural, incluindo-o em políticas públicas e na
formação de profissionais do direito.
- Promover
maior representatividade racial em todos os níveis do sistema de justiça.
- Adotar
práticas que minimizem erros de identificação e preconceitos
institucionais.
De tudo isso tiro uma reflexão: A luta contra o racismo
estrutural é uma tarefa coletiva, e a conscientização é o primeiro passo. Não
só no Dia da Consciência Negra que somos convidados a refletir sobre o
papel de cada um na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas
em todos os dias de nossas vidas.