A PEC da Blindagem: Um Retrocesso na Luta Contra a Impunidade
No dia 16 de setembro de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, apelidada de "PEC da Blindagem", representa um dos mais graves retrocessos na transparência e na luta contra a impunidade no Brasil. Sob a liderança de articulações do Centrão e com a polêmica retomada do voto secreto em decisões envolvendo parlamentares, essa medida ameaça enfraquecer o combate à corrupção e reforçar a proteção de interesses corporativistas no Congresso Nacional. Este artigo analisa por que a PEC, que agora tramita no Senado, é um desserviço à democracia brasileira.
O que é a PEC da Blindagem?
A PEC introduz uma mudança significativa no sistema de foro privilegiado, exigindo que investigações contra deputados e senadores no Supremo Tribunal Federal (STF) só avancem para ações penais com autorização prévia do Congresso. Na prática, isso significa que os próprios parlamentares terão o poder de decidir se seus colegas enfrentarão a Justiça, criando uma barreira adicional para responsabilização por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro ou abuso de poder. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo (17/09/2025), a medida pode beneficiar diretamente 108 congressistas investigados em 36 inquéritos no STF, incluindo figuras de diferentes espectros políticos, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Essa proposta, articulada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), não apenas reforça o foro privilegiado — já alvo de críticas por perpetuar desigualdades no sistema judicial — mas também reintroduz um mecanismo que parecia superado: o voto secreto em decisões sobre parlamentares.
O Retorno do Voto Secreto: Um Passo Atrás
Até 2009, o Brasil viveu sob a sombra do voto secreto em decisões legislativas sensíveis, como autorizações para prisões ou processos contra deputados e senadores. Escândalos como o Mensalão expuseram como esse mecanismo facilitava acordos escusos, com parlamentares protegendo uns aos outros sem prestar contas à sociedade. A abolição do voto secreto foi um marco de transparência, garantindo que o público soubesse como seus representantes votavam em questões cruciais.
Agora, a PEC da Blindagem resgata essa prática opaca. Ao permitir que decisões sobre investigações sejam tomadas por votação secreta, a proposta cria um ambiente propício para o corporativismo, onde parlamentares podem proteger colegas sem temer a pressão da opinião pública. Essa manobra, conduzida pelo Centrão, é um claro retrocesso, minando a confiança da população no Legislativo e enfraquecendo a democracia.
Um Escudo para a Impunidade
A justificativa para a PEC, segundo seus defensores, é que o STF estaria "invadindo" competências do Legislativo ao avançar em investigações contra parlamentares. Esse argumento, porém, não resiste a uma análise crítica. O Supremo tem agido dentro de suas atribuições constitucionais, especialmente em casos de crimes graves que, sem a atuação judicial, poderiam permanecer impunes. Transferir ao Congresso a decisão sobre quais casos avançam é, na prática, dar aos próprios investigados o poder de barrar sua responsabilização. Isso cria um sistema em que o Legislativo se torna juiz de si mesmo, violando o princípio da separação de poderes.
Além disso, a PEC beneficia políticos de diferentes espectros ideológicos, o que revela sua natureza pragmática: trata-se de um acordo de conveniência entre grupos que, embora discordem em outros temas, convergem na busca por proteção. Essa união em prol da autodefesa é um sinal alarmante de que interesses pessoais estão sendo colocados acima do bem público.
Impactos na Sociedade Brasileira
A aprovação dessa PEC, caso confirmada no Senado, terá consequências profundas. Primeiro, ela enfraquece a luta contra a corrupção, que já enfrenta desafios significativos no Brasil. Operações como a Lava Jato, apesar de suas controvérsias, expuseram a necessidade de um Judiciário independente para combater esquemas enraizados no poder político. A PEC da Blindagem, ao dificultar investigações, sinaliza que a impunidade pode prevalecer.
Segundo, a retomada do voto secreto mina a transparência, um pilar essencial da democracia. Quando deputados e senadores podem votar sem prestar contas, a sociedade perde a capacidade de fiscalizar seus representantes, o que abre espaço para acordos espúrios e decisões motivadas por interesses pessoais ou partidários.
Por fim, a medida reforça a percepção de que há dois sistemas de justiça no Brasil: um para os cidadãos comuns, sujeitos à lei, e outro para a elite política, protegida por privilégios. Essa desigualdade alimenta o descrédito nas instituições e o desengajamento cívico, afastando a população da participação política.
Um Chamado à Mobilização
A tramitação da PEC no Senado é uma oportunidade para que a sociedade civil, a imprensa e os movimentos democráticos se mobilizem contra esse retrocesso. É fundamental que os senadores sejam pressionados a rejeitar a proposta e a manter a transparência nas decisões legislativas. A opinião pública, que já demonstrou sua força em momentos como a aprovação da Lei da Ficha Limpa, deve exigir que o Congresso priorize o interesse coletivo, não a autoproteção de seus membros.
A PEC da Blindagem não é apenas uma questão técnica ou jurídica; é um teste para a democracia brasileira. Permitir que ela avance é aceitar que a impunidade e a opacidade voltem a ser a regra no Brasil. Cabe a todos nós, cidadãos, exigir que nossos representantes estejam à altura do compromisso com a justiça e a transparência.