terça-feira, 30 de setembro de 2025

Tema 977 do STF: Acesso a Dados de Celular sem Ordem Judicial – Avanço ou Risco ao Estado de Direito? #Tema977STF - #InvestigaçãoCriminal - #InquéritoPolicial - #direitosfundamentais - #OrdemJudicial

A era digital trouxe para o Direito Penal e Processual Penal desafios inéditos. Entre eles, está a questão do acesso a dados armazenados em aparelhos de telefonia celular. A recente fixação de tese pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 977 da repercussão geral, reacendeu debates fundamentais sobre os limites entre investigação criminal e proteção de direitos fundamentais, especialmente o direito à intimidade e à autodeterminação informacional.

O que decidiu o STF?

O STF discutiu a licitude da prova produzida durante o inquérito policial, relativa ao acesso a registros e informações contidas em celular apreendido, sem prévia autorização judicial. A Corte fixou alguns parâmetros:

  1. A apreensão do celular não exige ordem judicial (arts. 6º do CPP e 5º, XI da CF), mas o acesso ao conteúdo deve observar condicionantes.
  2. Em situações de urgência ou flagrante delito, admite-se o acesso aos dados, desde que a medida seja posteriormente justificada.
  3. Nos demais casos, exige-se consentimento expresso do titular ou autorização judicial.
  4. O Judiciário deve atuar com celeridade diante de pedidos dessa natureza, dada a relevância da proteção dos dados pessoais.

Ou seja, o STF reconheceu a possibilidade de flexibilização da reserva de jurisdição em hipóteses específicas, condicionando a licitude da prova a uma posterior validação.

Ponto positivo: tentativa de equilibrar interesses

Não se pode negar que a decisão tenta equilibrar a eficiência da investigação criminal com a proteção de direitos fundamentais. A criminalidade moderna, especialmente no campo do tráfico de drogas, da corrupção e dos crimes cibernéticos, muitas vezes se vale de dispositivos móveis como ferramenta principal de execução e comunicação. Exigir sempre autorização judicial prévia poderia, em alguns casos, inviabilizar a coleta de provas em situações emergenciais.

A crítica: relativização perigosa da reserva de jurisdição

O grande problema é a relativização da reserva de jurisdição. O art. 5º, XII da Constituição estabelece que a interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas depende de ordem judicial. Embora haja distinção entre interceptação em tempo real e análise de dados já armazenados, o STF parece ter aberto uma brecha para investigações sem controle judicial prévio, ainda que com validação posterior.

Isso pode gerar riscos de abusos de autoridade, violações indevidas da privacidade e provas ilícitas travestidas de lícitas por uma posterior homologação judicial. A doutrina mais garantista alerta para o perigo de se normalizar um “vale-tudo” investigativo sob a justificativa de urgência.

A jurisprudência do STJ estabelece que, embora a apreensão física do celular possa ser lícita em situações como cumprimento de mandado judicial ou durante busca pessoal em flagrante delito (art. 244, CPP), o acesso ao conteúdo digital (mensagens, fotos, arquivos) representa uma invasão mais profunda na intimidade e, como regra geral, exige prévia e fundamentada ordem judicial. Essa exigência de autorização judicial funciona como uma cláusula de reserva de jurisdição, garantindo que a quebra do sigilo de dados seja controlada e justificada pela necessidade da investigação.

Aqui reside um ponto relevante: o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas oportunidades, tem se posicionado de forma mais rígida quanto ao tema. Em julgados recentes, o STJ firmou entendimento de que o acesso a dados armazenados em celulares apreendidos exige ordem judicial, mesmo em casos de flagrante delito.

Assim, temos uma clara divergência jurisprudencial:

  • O STF admite hipóteses de acesso direto, com posterior justificação;
  • O STJ entende que o acesso sempre exige ordem judicial, sob pena de ilicitude da prova.

Impactos práticos

Essa divergência cria insegurança jurídica:

  • Defesas poderão questionar a validade de provas obtidas sem ordem judicial, invocando a posição do STJ.
  • Ministérios Públicos e autoridades policiais tenderão a invocar o precedente do STF como autorização para acessar dados diretamente, sobretudo em casos de flagrante.
  • A tendência é que muitos processos penais passem a discutir a licitude da prova de celular, até que haja uma uniformização definitiva.

O Tema 977 do STF é, sem dúvida, um marco para a investigação criminal no Brasil. Entretanto, seu caráter flexibilizador da reserva de jurisdição traz mais dúvidas do que certezas. O risco de arbitrariedades e de fragilização das garantias constitucionais é real.

Diante da posição mais restritiva do STJ, resta claro que o tema ainda está em aberto e continuará gerando debates doutrinários e jurisprudenciais. Para a advocacia criminal, cabe redobrar a vigilância e a argumentação, seja para impugnar provas ilícitas, seja para exigir que a interpretação do STF seja aplicada com critérios claros e restritos.

Em síntese: o precedente pode ser visto tanto como um avanço pragmático, voltado à eficácia da persecução penal, quanto como um retrocesso garantista, ao fragilizar a reserva de jurisdição. no futuro a jurisprudência dirá qual dessas leituras prevalecerá.

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