quinta-feira, 10 de junho de 2010

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI MARIA DA PENHA


A violência contra a mulher nas classes sociais mais desfavorecidas é resultado do baixo nível educacional, do desemprego, drogas, alcoolismo, e, nas mais abastadas, uma lamentável tradição cultural.
O Direito pouco fez para transformar esta realidade, de modo que, também a impunidade se consolida como um dos fatores da violência familiar. Nesta ótica, seguindo o “espírito” da lei 11.340/06, qual seja, desmontar uma realidade posta, uma lamentável realidade cultural (latente), e consolidar a justiça em bases concretas, em face de uma situação específica e sem dúvida peculiar: “A OPRESSÃO DA MULHER”.
No socorro deste propósito, legítimo por sinal, uma norma específica com a intenção, acima de tudo, de extinguir a mácula social que constitui a violência doméstica e familiar contra a mulher brasileira.
A Lei 11.340/06, conhecida como LEI MARIA DA PENHA, em seu art. 7º tece algumas considerações e estabelece critérios objetivos para categorizar o que seja a violência doméstica e familiar contra a mulher. Porém, podemos adequá-los a uma classificação técnica, onde as formas principais são: O grupo da “vis corporalis” e o da “vis compulsiva” traduzindo: A VIOLÊNCIA CORPORAL E A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA, sendo esta última, sem dúvida, uma inovação no ordenamento jurídico pátrio uma vez que, nunca na história deste país, (já ouvi isto em algum lugar), até então a violência ou grave ameaça foram sempre consideradas, para efeitos penais, expressões sinônimas.
Apesar de que, não podemos reputar a classificação expressa, posto a existência da expressão final da “cabeça” do artigo, “entre outras” (formas de violência), como ressalva de implicações extensivas, querendo significar, a princípio, que as formas descritas nos incisos subseqüentes são exemplificativas, isto é, existem outras formas de violência que a lei não menciona.
São, portanto, sinônimos perfeitos da expressão “violência” e “grave ameaça”, respectivamente, “corporal” e “psicológica”. Ainda que a existência de violência abstrata seja considerada uma forma de violência, prefiro outra terminologia já existente, neste sentido, “a grave ameaça”, e faço para acentuar suas dessemelhanças e caracterizar a violência de natureza exclusivamente abstrata como, simplesmente, “ameaça”.
Assim, violência corporal, será designada como constrangimento físico, no qual se tira os meios de defesa que poderiam ser opostos ao agressor, bem como as ações que dificulte ou paralise a possibilidade de defesa, tolhendo-se a liberdade de movimentos. Ocorre neste caso a lesão corporal, as vias de fato, ainda que a primeira não seja imprescindível para a caracterização da violência. Há que se observar, contudo, as peculiaridades ou, simplesmente, a personalidade da vítima, atendo-se a sua idade, sua condição, compleição física, seu temperamento, sua conduta social etc., para extrair destes fatores a convicção de que a ação do acusado pode ter causado à vítima o temor eficaz que respalde a “noticia criminis” e posteriormente a denúncia.
Da mesma forma a grave ameaça, (psicológica), deve ser tida como, por exclusão, toda violência ou ameaça onde inexista a violência corporal. Assim, a gravidade da ameaça pode se configurar por palavras de tom acentuado, gestos ou palavras que inibam a liberdade ou resistência da vítima.
O inciso I do art. 7º diz expressamente que a violência física será, para efeitos da lei em análise, entendida como “qualquer conduta que ofenda integridade ou saúde corporal da mulher”.
O crime de lesões corporais é definido no art. 129 do Código Penal, a ofensa à integridade corporal, trazendo danos fisiológicos de qualquer ordem, por outro lado, pode acolher a gravidade em várias graduações, aumentando-se a pena se resultar a morte. O importante é que, neste contexto, a palavra da vítima tem acentuada relevância para informar à apuração da responsabilidade criminosa do infrator.
Agora no inciso II do art. 7º a violência psicológica, que será entendida como “qualquer conduta que cause à mulher dano emocional e diminuição da auto-estima bem como as ações que visem degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, pela via da ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”. Aqui fica evidenciada a violência psicológica, expressa em todos os seus aspectos, e notem que o inciso não faz questão de forma para classificar a conduta como violenta em sentido estrito, bastando à ocorrência de coação em qualquer grau para enquadrar a conduta do acusado ao tipo, que remete aos incisos II e III do art. 5º da Constituição Federal de 1988 que dispõe, litteris:
“Art. 5º (omissis):
(...)
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.”
Então, entendam como grave ameaça toda e qualquer interferência dolosa ou coação moral, seja no comportamento ou mesmo liberdade de crença ou convicção da vítima, ainda que haja ausência de agressão física para o resultado pretendido pelo agressor.
Um exemplo claro, buscamos na interpretação da jurisprudência nos crimes de roubo, pois só a simulação de emprego de arma de fogo, ainda que desmuniciada, ou ainda o uso de réplica idônea para subjugar a voluntariedade da vitima não descaracteriza a ameaça grave, pois atinge o propósito do tipo, qual seja, a intimidação, incutir o medo, assim eliminando a resistência da vítima.
O inciso III do art. 7º trata da violência sexual contra a mulher e abrange condutas que atentam diretamente contra a sua liberdade sexual, adquirindo precedentes de importância como:
1- “A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força”.
2- “O constrangimento que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação”.
3- “E, finalmente, que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”.

Atrelada à Lei Maria da Penha, nas formas de violência caracterizando atentado a liberdade sexual da mulher vemos as condutas tipificadas nos artigos 213 à 216-A do Código Penal, o estupro, considerado crime hediondo, mesmo que em sua forma simples, não necessita de existência de lesões corporais graves ou morte. O atentado violento ao pudor, ou assédio sexual são exemplos também desta forma de violência. E, homens, nem pensem em argüir as “obrigações conjugais” ou “exercício regular do direito” quando da relação forçada entre marido e mulher vez que, pela simples concomitância de casamento, não se submeterá a mulher inteiramente a mercê dos caprichos sexuais do marido, ainda que a cópula matrimonial seja dever recíproco dos cônjuges, como querem alguns defensores ultrapassados da velha moral machista, entre eles alguns magistrados que, estribados no art. 23, III, permitem tais abusos inadmissíveis. O congresso sexual, ainda que no âmbito do matrimônio, exige como requisito primordial o consentimento de ambos os envolvidos.
Nesse passo, o art. 228, § 2º do Código Penal cuida deste tipo de conduta. Entende-se assim o uso de outra pessoa com a intenção de obter vantagem ilícita, negociando a sua sexualidade ou a troca de favores ou abuso do corpo da vítima mediante pagamento ou recompensa, utilizando-se para submeter a mulher à violência ou da grave ameaça. O rufião é um dos sujeitos ativos do delito, assim o marido ou companheiro, inescrupuloso, pode ser também. Embora o art. 227 mencione “induzir ou atrair alguém a prostituição”, admitindo-se, inclusive, que este alguém seja homem, no contexto da lei analisada, a conduta ilícita se aplica aquele que induz, ou seja, constranja ou atraia a mulher. Há também a supressão de uso de métodos anticoncepcionais ou indução ao matrimônio. Estas condutas, entretanto, precisamente o núcleo induzir, deve ser entendido como coação, onde se suprime a possibilidade de conduta diversa da vítima.
O inciso IV do art. 7º cuida da violência patrimonial e refere, neste sentido, “qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.
Todos conhecem, ou melhor, aqueles que tem mais de 30 anos a máxima: “o marido é o chefe da sociedade conjugal, competindo-lhe portanto, a gestão integral dos negócios e a representação do casal”, extraído do revogado, mais que tardiamente, do art. 233 do Código Civil de 1916, que até hoje guarda ainda o ranço patriarcal onde o marido era o chefe de tudo. Essa era, ou ainda é, a mentalidade de muitos homens que subjugam a mulher ao patamar mais vil da sociedade, para isso tendo que ser elaborada uma lei que protegesse a mulher em pleno século 21. Desta forma, no âmbito da lei que analisamos, é considerado abuso e violência patrimonial o arbitrarismo por parte do marido ou convivente, quanto a gestão do patrimônio, objetos ou instrumental de que faça uso a mulher para seu labor, bem como a guarda ou retenção de seus documentos pessoais, bens pecuniários ou não, da mulher.
Finalmente, o inciso V do art. 7º cuida da violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, (já tratado neste Blog), difamação ou injúria.
Violência moral refere-se ao dano ou tentativa de dano contra a honra ou imagem da mulher, em atendimento ao inciso X do art. 5º da Constituição Federal de 1988. Neste sentido, qualquer forma de conduta que viole sua intimidade ou idoneidade, prolatando calunias, atribuindo-lhe, falsamente, atos que não praticou, ou a difamando, revelando segredos ou fatos que só dizem respeito a ela mesma ou ao âmbito de sua intimidade, ou ainda, maldizendo-a, prolatando juízos ofensivos.
Isto foi, em linhas gerais, a definição basilar quanto a definição do que configura a violência doméstica e familiar, no âmbito da “LEI MARIA DA PENHA”, lei que, diga-se de passagem, veio um tanto quanto tarde, mas ainda assim em boa hora. conhecê-la profundamente, divulgar seu conteúdo e estudá-la é, não apenas gratificante, como um dever de todos, não apenas dos operadores do direito e magistrados, e é também um ato nobre de cidadania, sem a qual não se pode concretizar a meta de nossa sociedade, o implemento da justiça.

Um comentário:

  1. vivo isso continuamente sem nenhum respeito a minha liberdade e vigiada 24 horas por dia ate mesmo sinto que existe ate uma certa ameaça de liberdade intrinseco a isso...
    é uma barbaridade..

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