EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DO FÓRUM DA COMARCA DE CAMBUÍ - MG.
Processo n.º 0000583-81.2024.8.13.0106
SAMUEL DA SILVA foi denunciado ID10189653056, por suposta infração aos artigos 157, §2º, II e V e 157, §2ª-A, I por três vezes, art. 69 ambos do CP, este ultimo em consonância com o art. 1º, II “a” e “b” da lei 8.072/90.
A exordial narra que no dia 28 de fevereiro de 2024, por volta das 08h:48min, na Olaria São Benedito Ltda, “concretar”, situado na Bairro Cachoeirinha, na Cidade e Comarca de Cambuí/MG.
A peça acusatória dá conta que o acusado, juntamente com mais dois agentes, previamente ajustados, subtraíram, com emprego de grave ameaça, por meio de arma de fogo, bens das vítimas, tudo retratado no Boletim de Ocorrência acostado nos autos, Carlos Henrique dos Santos, Elvis Moraes e Raul Gonçalves de Souza.
Em audiência foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo I. promotor de justiça, sendo eles os policiais que participaram da comunicação da ocorrência, colhidos os interrogatórios dos acusados bem como testemunhas de defesa.
É o breve relatório
Em que pese todo contexto fático narrado pela exordial a mesma não deve prosperar, sendo de direito ser julgada improcedente.
Da Nulidade dos Reconhecimentos Fotográficos Realizados em Sede Administrativa. Da violação ao artigo 226, do Código de Processo Penal.
No caso em comento, contrariando tudo o que não se pode ouvidar um processo que começa fora dos ditames processuais não há de terminar bem. Ora, em uma atmosfera controversa, em sede extrajudicial, mais precisamente em solo policial, nos deparamos com o reconhecimento fotográfico dos acusados.
Verifica-se que estamos diante de hipótese de declaração de nulidade dos reconhecimentos pessoais produzidos em sede inquisitiva, eis que não atenderam aos ditames do artigo 226, do CPP, devendo-se, ser desentranhados do processo, conforme mandamento irrevogável do artigo 157, caput, do Código de Processo Penal.
Bem sabido que, para que uma prova seja considerada legal, ela deve ser produzida de acordo com o ordenamento jurídico vigente, a fim de que o magistrado possa proceder à sua avaliação e valoração dentro do cotejo probatório sob o manto do livre convencimento motivado redação dada pelo artigo 155, caput, do CPP.
O reconhecimento pessoal, de coisas ou até mesmo fotográfico que, frize-se, não previsto no ordenamento processual penal pois a bem ver é meio de prova anômala, para surtir efeitos dentro de um processo, deve estrita obediência à legalidade, neste caso, ser realizado sob o procedimento previsto no artigo 226, do CPP.
Trazemos, agora, o trâmite de reconhecimento por fotografia dos acusados em sede policial
(“Print 1”)
A foto acima, tirada às fls. 57 do ID 10189653061 serve para esclarecer, não só a forma em que foi realizado o reconhecimento, mas para afirmar da impossibilidade de qualquer forma de reconhecimento.
Atente-se N. julgadora, o reconhecimento de um dos acusados realizado em delegacia, note bem a qualidade da referida foto onde aparece um dos acusados a foto é clara e os outros, supostas referências, estão escuras, tornando inviável a comparação.
E não é só isso que temos a demonstrar. Quero aqui que atente para a numeração do INFOPEM o reconhecido de um dos acusados tem numeração 652980, e dos demais muito abaixo dessa numeração, tudo fazendo crer ao reconhecedor que a foto clara e com numeração recente, só poderia ser de um dos acusados por estar muito distante dos demais supostas referências.
DA DINÂMICA DOS RECONHECIMENTOS
Trataremos, agora, da dinâmica em que ocorreram os reconhecimentos em sede policial.
(“Print 2)
O print acima, Meretíssima, foi tirado do ID 10189653060, confeccionado em sede policial no dia 05 de março de 2024 como consta às fls. 4 do ID 10289858275 e no destaque logo abaixo, que nessa data fora procedido o reconhecimento do acusado Samuel e:
“ENTRETANTO AS 03 VÍTIMAS NÃO RECONHECERAM O(S) SUSPEITOS” .
Embora como o atestado acima, de forma clara e emitida por autoridade policial dando conta do não reconhecimento do acusado pelas vítimas, no dia seguinte, ou seja, no dia 06 de março é procedido novo reconhecimento pela vítima Elvis Moraes que reconhece o acusado Jhonny às fls 57 do ID 10189653061.
No dia 07 de março de 2024 comparecem as vítimas Elvis Moraes, Carlos Henrique e Raul Gonçalves em sede policial e o Sr. Elvis Moraes e reconhece o acusado Gustavo da Fonseca, às fls 61 do ID 10189653061; Carlos Henrique reconhece o acusado Gustavo, às fls. 65 ID 101896653061, e o acusado Samuel da Silva, às fls. 69 do ID 10189653062 e, finalmente, Raul Gonçalves reconhe Samuel da Silva às fls. 73 do ID 10189653062.
Portanto Excelência, essa foi a dinâmica dos reconhecimentos feito em sede policial e, mais uma vez, chamo à atenção para o contido no “print 1 e seu destaque onde atesta-se o não reconhecimento dos suspeitos pelas 3 vítimas.
Em Juízo, sob o crivo do contraditório falaram as 3 testemunhas vítimas como segue:
Em síntese nenhuma das vítimas, Carlos, Raul e Elvis reconheceram o acusado Samuel da Silva. As mesmas foram unânimes em não se lembrar, muito menos, reconhecerem o acusado na empreitada criminosa a que sofreram.
Dessa forma, I. Magistrada, o reconhecimento fotográfico somente deve ser considerado como forma idônea de prova, quando acompanhada de outros elementos aptos a caracterizar a autoria do delito, o que não ocorreu no presente auto processante. Tudo porque o reconhecimento fotográfico em solo policial não restou confirmado em Juízo.
A produção de provas na fase inquisitorial, deve observar com rigor as formalidades legais tendentes a emprestar-lhe maior segurança, sob pena de completa desqualificação de sua capacidade probatória e é o que acontece no presente feito.
Como se vê, imperioso que o reconhecimento por meio de fotografia não pode ser, quando realizado em desacordo com a lei, meio de prova autônomo apto a embasar sentença condenatória. Exigia-se, no mínimo, por meio de impulso acusatório, requerimento para realização de reconhecimento pessoal do acusado por parte das vítimas. Entretanto, não há nenhuma providência neste sentido nos autos.
No caso dos autos o não reconhecimento em juízo do acusado não corroborou as métricas usadas em solo policial vindo de encontro com a verdade de que o acusado Samuel da Silva não participou do crime em que é acusado.
Data máxima venia, as alegações do MP de que os acusados foram reconhecidos tanto em sede policial quanto em Juízo, pág 2 do ID 10289858275, não deve ser levada em conta, pois quer fazer crer que o acusado Samuel da Silva também fora reconhecido, o que não é verdade, com o intuito de levar V.Exª a decretar édito condenatório. Essa defesa não pode ficar silente com tamanha inverdade.
Frisa-se, mais uma vez, além dos parcos reconhecimentos (que por óbvio, não gozam de força probatória autônoma), nada mais há nos autos que demande certeza sobre a autoria do acusado no crime sub judice.
Resumindo, não há provas suficientes que indiquem ser o acusado Samuel da Silva autor do delito ora sob julgamento.
Assim, o Parquet Estadual não se atentou para as disposições de Nosso Código de Processo Penal, especialmente aos comandos constantes do artigo 386, inciso IV, que determina seja decretada a absolvição do réu, desde que o Juiz reconheça (V) não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal.
Afastou-se o Insigne Promotor de Justiça da certeza imanente ao julgamento penal, ou seja, a verdade real, já que na justiça penal tudo deve ser claro e preciso, como uma equação algébrica, de onde, na falta de, via de consequência, impõe-se a absolvição do réu.
DA OITIVA DOS ACUSADOS EM JUÍZO
O acusado Samuel da Silva negou a a autoria delitiva, bem como Jhonny Batista, ao passo que Gustavo da fonseca assumiu a autoria delitiva e acusou os demais acusados da co-autoria da ação.
Trata-se, na verdade, de um meio de prova anômalo. Não é testemunho, pois como testemunha só podem servir aquelas pessoas equidistante das partes e sem interesse na solução da demanda, o que não acontece com o delator, especialmente quando também é réu.
É, nessa hipótese, realmente uma prova anômala, totalmente irregular, pois viola o princípio do contraditório, uma das bases estruturantes do processo penal. Como a acusação surge, a rigor, no interrogatório em juízo deixa de existir o contraditório
"O depoimento do cúmplice apresenta graves dificuldades. Tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem, outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil, ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas colocadas em altas posições
Os nossos tribunais tem imposto restrições a tal meio de prova.
Vejamos:
"A incriminação feita pelo co-réu, escoteira nos autos, não pode ser tida como prova bastante para alicerçar sentença condenatória ." (Ver. Crim. 103.544, TACrimSP, Rel. Octavio Roggiero).
"Não se pode reconhecer como prova plena a imputação isolada de corréu para suporte de um 'veredictum' condenatório, porque seria instituir-se a insegurança no julgamento criminal, com possibilidade de erros judiciários. "(Rev. Crim. 11.910, TACrimSP, rel. Ricardo Couto, RT 410:316).
Sobre esse tema, o Desembargador ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, com propriedade, acentua que:
"Temos para nós que a chamada do corréu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base para uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do contraditório. Diz o art. 153, § 6.º da Constituição Federal , que a 'instrução criminal será contraditória.
Ora, se ao atingido pela delação não é possível interferir no interrogatório do acusador, fazendo perguntas ou reperguntas que poderão levar a verdade ou ao desmascaramento, onde estará sendo obedecido o princípio do contraditório?
Tudo para concluir que:
"Dos co-denunciados do mesmo delito, por conseguinte, um não pode testemunhar nem a favor nem contra o outro, já que suas declarações mantém sempre o caráter de interrogatório, de tal modo que seria nula a sentença que tomasse tais declarações como testemunhos ."
Veja no julgamento do Habeas Corpus n.º 74.368-4-MG
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NECESSIDADE. ACERVO PROBATÓRIO PRECÁRIO E INSUFICIENTE A SUSTENTAR O DECRETO CONDENATÓRIO. DELAÇÃO DO CORRÉU ISOLADA DOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. CONDENAÇÃO COM BASE EM INDÍCIOS. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO SEGURA.
Trata-se, consoante cediço, da positivação dos princípios do “in dubio pro reo” e do “favor rei”, segundo os quais em caso de dúvida deve sempre prevalecer o interesse do acusado. Ressalte-se, como consignado por TOURINHO FILHO, que, na verdade, a absolvição por falta de provas não se traduz num favor, mas numa consequência natural da ausência de prova da narrativa acusatória.
Desta forma
Por todo exposto, em homenagem ao Princípio do In Dubio Pro Reo, mostra-se inevitável a absolvição do acusado nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
DOS PEDIDOS
Por todo o exposto, requer sejam as Alegações Finais recebidas por Vossa Excelência, para fins de acolhimento dos pedidos e requerimentos subsequentes.
I. Requer seja a Ação Penal julgada improcedente para fins de decretar a absolvição do Acusado Samuel da Silva, em atenção ao Princípio do In Dubio Pro Reo, mostrando-se inevitável a absolvição do acusado nos moldes do artigo 386, inciso IV, V e VII, do Código de Processo Penal.
II. No entanto, caso este não seja o entendimento de Vossa Excelência, subsidiariamente, requer-se que seja afastada a circunstância majorante prevista no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal.
III. Subsidiariamente, em eventual não acolhimento do item anterior, que seja reconhecimento a impossibilidade da cumulação das majorantes sendo utilizada apenas 01 fração para o aumento;
IV. Que seja, aplicada a continuidade delitiva nos delitos descritos, conforme fundamentação.
V. Requer, havendo condenação, seja a pena-base fixada no patamar mínimo legal, nos termos do art. 59, caput, do Código Penal; não sejam incidentes no caso em tela causas de aumento e diminuição da pena;
VI. Caminhando para a conclusão, caso Vossa Excelência entenda pela condenação, requer seja possibilitado ao Acusado recorrer em liberdade, nos termos do art. 283 do Código de Processo Penal.
Termos em que,
P. DEFERIMENTO.
Cotia, 22 de agosto de 2024
Hassan Usama M Samara
OAB/SP 492.498