terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito -

 

Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito

 ANISTIA

Reflexões sobre o crime e sua tipicidade à Luz dos Acontecimentos de 8 de janeiro de 2023

 

O crime de abolição violenta do Estado democrático de direito, tipificado no Código Penal Brasileiro, é considerado uma das infrações mais graves, dada a sua natureza atentatória ao funcionamento das instituições democráticas e à soberania popular. Contudo, em situações como os eventos de 8 de janeiro de 2023, onde manifestantes radicais invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, surge uma questão importante: como garantir que as prisões e as condenações estejam em consonância com o princípio da individualização da pena, sem que a punição recaia de forma indiscriminada sobre todos os envolvidos, sem uma análise detalhada de suas condutas?

Esse episódio, além de levantar debates sobre a tipicidade do crime de abolição violenta, trouxe à tona a problemática da prisão em massa e das penas desproporcionais, questionando se o processo penal brasileiro tem sido capaz de equilibrar segurança pública e justiça de maneira justa e equitativa.

O artigo 359-L do Código Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), estabelece uma punição severa para quem utilizar a violência ou grave ameaça com o objetivo de destruir ou desestabilizar as instituições democráticas. Em tempos de crescente polarização política, a criação de um tipo penal como esse é fundamental para preservar a ordem democrática, que se alicerça na Constituição Federal e no princípio da soberania popular.

A tipicidade desse crime exige a utilização de meios violentos ou de grave ameaça. No entanto, o grande desafio está em distinguir as condutas daqueles que realmente atentam contra o Estado democrático e as ações de manifestantes ou indivíduos que, em algumas situações, podem ter participado de forma mais passiva ou com um grau menor de envolvimento.

Prisões em Massa e a Questão da Individualização das Condutas

Após os atos de violência em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, foram presas milhares de pessoas relacionadas aos ataques aos Três Poderes. No entanto, surgiram sérias críticas sobre a ausência de uma individualização das condutas desses indivíduos. Muitos dos presos eram manifestantes que, por diferentes razões, participaram de atos de protesto, nem sempre com envolvimento direto nas ações violentas, como depredações e invasões.

 

O princípio da individualização da pena, consagrado na Constituição e no Código Penal, exige que cada caso seja analisado de forma individualizada, levando em conta as circunstâncias do fato, a autoria e a participação no crime, a intenção do agente e sua responsabilidade. Contudo, a prisão de um grande número de pessoas, muitas delas com menor envolvimento nas ações violentas, coloca em dúvida a proporcionalidade das respostas do sistema de justiça.

Não se pode passar despercebido um dos casos que ganhou notoriedade que foi o de uma cabeleireira condenada a mais de 17 anos de prisão por, aparentemente, ter escrito a expressão "perdeu mané" em uma estátua que simboliza a Justiça e está localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal, durante os protestos de 8 de janeiro. A acusada, segundo relatos, não estava diretamente envolvida em atos de violência, mas sua mensagem escrita, que foi apagada com água e sabão, foi considerada como parte do movimento golpista que atentava contra as instituições democráticas.

A grande questão que surge em relação a esse caso é: será que a punição aplicada a ela foi proporcional? A pena de mais de 17 anos para alguém que aparentemente fez uma manifestação de apoio em um contexto de violência política reflete um problema de distorção no processo de responsabilização penal? É questionável se uma ação isolada, sem envolvimento direto em atos violentos ou em tentativa de derrubar o regime democrático, deve ser tratada da mesma maneira que ações de depredação, incitação ao golpe ou tentativa de invasão de instituições.

Esse tipo de situação coloca em evidência o risco de que, ao tratar de forma indiscriminada os participantes das manifestações, sem observar as particularidades de cada caso, o sistema judiciário possa acabar punindo de maneira desproporcional pessoas que, embora possam ter cometido atos ilegais, não estavam no centro da violência ou da tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.

A intenção do legislador ao criar o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito, buscou garantir a preservação das instituições democráticas diante de ameaças violentas. O legítimo interesse do Estado é proteger a democracia e garantir que atos de violência política sejam punidos severamente, dentro dos limites da severidade.

Contudo, a questão da proporcionalidade das penas não pode ser ignorada. As penas excessivamente severas, como no caso da cabeleireira, podem dar a impressão de que o sistema de justiça está sendo rigoroso demais, punindo de maneira desmedida e sem a devida análise das circunstâncias e intenções dos envolvidos. Essa abordagem pode acabar gerando uma sensação de injustiça e desconfiança em relação ao processo judicial, deixando transparecer um julgamento meramente político, principalmente quando as ações de alguns indivíduos parecem ser muito mais brandas em comparação com os atos de violência direta que marcaram o dia 8 de janeiro.

O episódio de 8 de janeiro trouxe à tona a importância da individualização da pena e da proporcionalidade das condenações. Embora a proteção do Estado democrático de direito seja essencial e deva ser garantida com rigor, é igualmente importante que o sistema judiciário atue com discernimento e análise crítica sobre as condutas individuais de cada envolvido. A aplicação da pena deve ser baseada em provas claras e deve respeitar os direitos fundamentais dos acusados, para evitar que pessoas, que não participaram diretamente das ações violentas ou subversivas, sejam punidas de maneira desproporcional. A justiça deve ser capaz de diferenciar aqueles que são realmente responsáveis pela violência daqueles que, por diferentes motivos, estiveram presentes nas manifestações, mas sem a intenção de subverter a ordem democrática.

Portanto, a reflexão crítica sobre esses casos é fundamental, pois surgiu a hipótese de anistia aos condenados pelos atos antidemocráticos em uma acalorada discussão no Congresso Nacional e no país, para sanar as injustiças a que foram submetidos, não apenas para preservar o Estado democrático de direito, mas também para garantir que o sistema de justiça seja justo, proporcional e humanitário.

 

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Racismo Estrutural e a Percepção da Justiça: Reflexões a partir do programa "Falas Negras" - #Racismo - #FalasNegras - #DiaDaConscienciaNegra - #RacismoEstrutural

Racismo Estrutural e a Percepção da Justiça: Reflexões a partir do programa "Falas Negras"

Ontem, “Dia da Consciência Negra”, a TV Globo exibiu o programa Falas Negras, que trouxe um júri simulado dramatizado por atores e atrizes. Era um caso fictício e abordava o julgamento de um suspeito negro acusado de roubo seguido de morte. Embora fosse uma obra de ficção, a produção levantou importantes questões sobre o racismo estrutural em nossa sociedade.

É essencial, entretanto, esclarecer que o sistema judiciário brasileiro difere, significativamente, daquele retratado no programa, inspirado no modelo norte-americano. No Brasil, o Tribunal do Júri é composto por sete jurados, e não onze, como visto no episódio. Além disso, crimes como roubo seguido de morte (latrocínio) não são de competência do Júri Popular. Esse tipo de crime é julgado por um juiz singular, dado que sua natureza é patrimonial, embora envolva resultado morte.

Essas diferenças procedimentais, no entanto, não ofuscam a relevância da mensagem central que é o racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira, refletindo-se em todas as esferas, incluindo o sistema de justiça.

O racismo estrutural, atente-se, é um fenômeno que vai além de atitudes individuais ou casos isolados de preconceito. Ele é um sistema de opressão que se manifesta nas instituições e práticas cotidianas, perpetuando desigualdades raciais. No caso fictício apresentado, diversos aspectos chamam atenção, vamos a eles:

  1. Reconhecimento Dúbio do Réu: A mãe da vítima, há vários metros de distância, reconheceu o réu de capuz correndo e apenas de costas, isso mostrado pelo circuito de câmeras que flagraram a ação, numa situação de clara fragilidade probatória. Além disso, as testemunhas o identificaram por meio de catálogos fotográficos em delegacia de polícia, tirados não se sabe de onde, uma prática criticada por sua subjetividade e alta taxa de erros, que frequentemente prejudica pessoas negras.
  2. Suspeição Automática: A cor da pele do réu parece ter sido um fator determinante para a sua associação ao crime, um reflexo do imaginário social que associa a figura do homem negro ao papel de criminoso.
  3. Sub-representação nos Espaços de Decisão: No sistema judiciário, negros são minoria em posições de poder, como magistrados, promotores e delegados, conforme apontam dados nacionais. Essa falta de representatividade contribui para decisões que, muitas vezes, carecem de empatia ou compreensão das vivências das pessoas negras.

Dito isso, o programa Falas Negras expôs de forma dramatizada uma realidade que muitos enfrentam diariamente. A desconfiança automática, a criminalização de corpos negros e as falhas estruturais do sistema de justiça são barreiras reais que reforçam a desigualdade racial no Brasil.

Ao longo da minha carreira, imagino, depois de tanto atuar nessa seara, que é necessário:

  • Ampliar o debate sobre racismo estrutural, incluindo-o em políticas públicas e na formação de profissionais do direito.
  • Promover maior representatividade racial em todos os níveis do sistema de justiça.
  • Adotar práticas que minimizem erros de identificação e preconceitos institucionais.

De tudo isso tiro uma reflexão: A luta contra o racismo estrutural é uma tarefa coletiva, e a conscientização é o primeiro passo. Não só no Dia da Consciência Negra que somos convidados a refletir sobre o papel de cada um na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, mas em todos os dias de nossas vidas.

  

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

O Caos Semeado por Israel no Oriente Médio Pode Voltar para Assombrá-lo. #Nasrallah #Orientemédio #Líbano #Israel #BenjaminNetanyahu #GuerranoLíbano #Hamas

 O Caos Semeado por Israel no Oriente Médio Pode Voltar para Assombrá-lo

 

Por David Hearst, Middle East Eye

 

O atual caminho trilhado por Benjamin Netanyahu está provando para os vizinhos árabes que Israel não deseja viver em paz. A cada nova guerra iniciada, vemos um ritual de cessar-fogo que, na prática, é uma farsa — uma pantomima diplomática que não reflete a realidade.

 

Nos recentes ataques ao Líbano, a mesma coreografia ocorreu. Enquanto o ministro francês Jean-Noel Barrot insistia na proposta de cessar-fogo, os EUA já sinalizavam que as negociações haviam fracassado, apoiando uma invasão terrestre ao Líbano e descrevendo o assassinato de Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, como um “bem puro”.

 

A narrativa ocidental tenta caracterizar a operação de Israel como "limitada", mas declarações de diplomatas e militares israelenses indicam o desejo de uma "reformulação" do Líbano, que se estende muito além da fronteira. Raiva e discurso de ódio em Israel atingiram níveis alarmantes, com a busca por vingança se voltando do povo de Gaza para o povo do Líbano.

 

Israel parece tentar, mais uma vez, "mudar o Oriente Médio", como Netanyahu prometeu após o ataque do Hamas em outubro de 2023. No entanto, as ações de Israel estão desenhando um Oriente Médio que rejeita sua presença. Mesmo os líderes que se aliaram a Israel, como o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, reconhecem que a opinião pública árabe não aceita tal agressão.

 

A morte de Nasrallah, embora comemorada por Israel, está transformando-o em um símbolo eterno de resistência. Ações como essas não apenas mantêm vivo o conflito, mas também acendem a chama da resistência entre cristãos, muçulmanos, xiitas e sunitas. No longo prazo, a atual agressividade israelense poderá ter consequências profundas, afastando ainda mais o país da paz com seus vizinhos e solidificando um ciclo contínuo de violência e ódio na região.

 

David Hearst é cofundador e editor-chefe do Middle East Eye, além de comentarista e analista sobre o Oriente Médio e a Arábia Saudita.

 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

LUTA CONTRA A FOME - A HISTÓRICA FALÁCIA DO COMBATE Á FOME NO BRASIL, CERTAMENTE UM JOGO DE PROMESSAS E PROPAGANDA ELEITORAL.

Manifestantes invadem supermercados e exige entrega de cestas básicas.


A histórica falácia do combate à fome no Brasil, certamente um jogo de promessas e propaganda eleitoral.

 

É mais que sabido que a fome é uma realidade que atinge milhões de brasileiros, afetando de forma severa a população mais vulnerável. Recentemente, um episódio chamou a atenção não só da mídia, mas da população em geral, pois um grupo de manifestantes invadiu uma grande loja de supermercados exigindo a entrega de cestas básicas. O ato, dando um ar de desespero, mas simbólico por sinal, representa o grito de uma população que vê na fome um obstáculo intransponível diante da ausência de políticas públicas efetivas. Esse tipo de ação não é um evento isolado, ouso dizer, orquestrado, é mais o reflexo de um cenário em que promessas de combate à fome, muitas vezes, se tornam apenas discursos de campanha, sem reflexos concretos na vida daqueles que mais necessitam.

 

 Todos sabemos que o Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, voltou a figurar, lamentavelmente, no mapa da fome da ONU. A insegurança alimentar, agravada pela crise econômica e pela pandemia de COVID-19, ampliou a desigualdade social, e as políticas governamentais, que deveriam combater essa realidade, têm se mostrado insuficientes. O Auxílio Brasil, que subistituiu o Bolsa Família, e outras tantas iniciativas do governo, embora sejam medidas emergenciais, não têm capacidade de resolver de forma estrutural o problema da fome, chego a pensar que nem ele mesmo quer que isso seja resolvido (mas é assunto para o próximo comentário). Em vez disso, criam uma falsa sensação de alívio temporário que não ataca as raízes da questão.

 

O que se pode tirar dessa “ Invasão ao Supermercado”?  Desespero ou Ato de Protesto?

 

A invasão de supermercados por manifestantes exigindo cestas básicas levanta questões importantes sobre o papel do Estado na garantia de direitos fundamentais, como o direito à alimentação. Este episódio pode até ser um claro sinal de desespero, mas gostaria de pensar que fosse também de insatisfação popular diante da inércia do poder público que sempre acredita que o próximo governo será melhor e resolverá o  real problema da fome em nosso país. Muitos desses manifestantes vivem em condições de extrema pobreza, sem emprego, sem acesso a uma alimentação digna e sem perspectivas de melhoria em um curto prazo.

 

A ação de invadir um supermercado, um símbolo da abundância de alimentos, mas inacessível para grande parte da população, é uma metáfora poderosa do fosso entre ricos e pobres no Brasil. Para aqueles que participaram desse ato, a invasão não é uma escolha, mas uma necessidade nascida do abandono social e, nem Governo, entidades civís, população de modo geral, podem fazer vistas grossas ao fato.

 

Já escrevi aqui, e volto a repisar, as promessas de combate à fome é mais uma estratégia de manipulação eleitoral do que uma realidade de acabar com esse mal, pois ao longo das campanhas eleitorais, o combate à fome sempre foi um tema central, especialmente em um país com tanta desigualdade como o Brasil. No entanto, muitas dessas promessas têm se revelado vazias, servindo apenas como instrumentos de propaganda eleitoral. Candidatos prometem acabar com a fome, aumentar os programas de assistência social e garantir comida na mesa de todos os brasileiros, mas na prática, essas promessas nunca se concretizam, pois é usada eleição após eleição de mote para manobras de vínculo eleitoral.

 

O ciclo eleitoral se repete, e os mesmos candidatos que outrora prometeram soluções definitivas para o problema da fome voltam a fazer promessas semelhantes, sem que haja uma mudança substancial nas condições de vida das camadas mais pobres da população. A fome é tratada como um problema crônico que pode ser “contornado” com medidas paliativas, e não como uma questão urgente a ser enfrentada com políticas de longo prazo e investimentos sérios em programas sociais.

 

 Mais uma vez digo, a utilização da fome como uma ferramenta de propaganda eleitoral é um mecanismo perverso de manipulação política. Governos se beneficiam do assistencialismo e da vulnerabilidade social como forma de garantir apoio popular em períodos eleitorais. Contudo, o povo carente, que deveria ser o foco central de políticas públicas eficientes, acaba sendo ludibriado por discursos que não correspondem à realidade vivida. Todos os anos e todas as eleições é assim, e o pior que nos acostumamos com essas mentiras, pois acreditamos como eles, os políticos, na sua própria mentira. Uma mentira dita inúmeras vezes acaba se tornando uma verdade.

 

Os programas de distribuição de cestas básicas, apesar de serem necessários em situações emergenciais, são utilizados por muitos candidatos, governantes e entidades sociais para mascarar a falta de soluções estruturais. O alimento é oferecido não como parte de uma política pública sólida, mas como um ato de caridade ocasional, dando a parecer que o carente come uma só vez ou só no período eleitoral, criando uma dependência eleitoral e não o empoderamento social. Além disso, essas ações costumam ganhar visibilidade durante períodos pré-eleitorais, reforçando o uso eleitoreiro da miséria como moeda de troca política. Usei CARIDADE OCASIONAL E USO ELEITOREIRO DA MISÉRIA, para, efetivamente, chamar à atenção de todos para o próximo pleito nas eleições para as prefeituras das cidades.

  

Meus caros, a urgência de políticas concretas é imprescindível. Espero que os próximos governantes municipais invistam em políticas públicas de combate à fome que sejam verdadeiramente transformadoras. Isso passa pela criação de empregos, pela melhoria do acesso à educação,  pelo fortalecimento de uma rede de proteção social que assegure alimentação digna para todos. Além disso, é necessário adotar políticas econômicas que promovam o crescimento inclusivo, assegurando que a riqueza gerada na sua cidade seja distribuída de maneira mais equitativa.

 

A fome  não é apenas uma questão de escassez de alimentos, mas de má distribuição de renda e de falta de compromisso político com as camadas mais vulneráveis da população. O combate à fome não pode continuar sendo tratado como um tema de propaganda eleitoral. É um direito humano básico, garantido pela Constituição, que deve ser atendido com a seriedade e a urgência que a situação exige.

 

Portanto, a invasão do supermercado por manifestantes é um alerta importante não só para governo, mas para a sociedade como um todo. A fome não pode ser ignorada ou usada como um instrumento de poder político. O Brasil tem plenas condições de erradicar a fome e garantir que todos os cidadãos tenham acesso a uma alimentação digna, mas isso depende de vontade política e de uma mudança estrutural nas políticas sociais. Promessas vazias não alimentam ninguém, e enquanto essas promessas forem apenas palavras ao vento, o Brasil continuará a ser palco de episódios tristes, como o que vimos recentemente.

 

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

MODELO DE MEMORIAIS ART 157 CP - RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO NULO - DELAÇÃO DE CO-RÉU NÃO VALIDADE COMO PROVA. #MEMORIAIS 157 CP #RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO #DELAÇÃO DE CO-RÉU NULO

 EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA CRIMINAL DO FÓRUM DA COMARCA DE CAMBUÍ - MG.

 

 

 

 

 

 

Processo n.º 0000583-81.2024.8.13.0106

 

 

 

 

 

 

 

 

SAMUEL DA SILVA foi denunciado ID10189653056, por suposta infração aos artigos 157, §2º, II e V e 157, §2ª-A, I por três vezes, art. 69 ambos do CP, este ultimo em consonância com o art. 1º, II “a” e “b” da lei 8.072/90.

 

A exordial narra que no dia 28 de fevereiro de 2024, por volta das 08h:48min,  na Olaria São Benedito Ltda, “concretar”, situado na Bairro Cachoeirinha, na Cidade e Comarca de Cambuí/MG.

 

A peça acusatória dá conta que o acusado, juntamente com mais dois agentes, previamente ajustados, subtraíram, com emprego de grave ameaça, por meio de arma de fogo, bens das vítimas, tudo retratado no Boletim de Ocorrência acostado nos autos, Carlos Henrique dos Santos, Elvis Moraes e Raul Gonçalves de Souza.

 

Em audiência foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo I. promotor de justiça, sendo eles os policiais que participaram da comunicação da ocorrência, colhidos os interrogatórios dos acusados bem como testemunhas de defesa.

 

 

É o breve relatório

 

Em que pese todo contexto fático narrado pela exordial a mesma não deve prosperar, sendo de direito ser julgada improcedente.

Da Nulidade dos Reconhecimentos Fotográficos Realizados em Sede Administrativa. Da violação ao artigo 226, do Código de Processo Penal.

No caso em comento, contrariando tudo o que não se pode ouvidar um processo que começa  fora dos ditames processuais não há de terminar bemOra, em uma atmosfera controversa, em sede extrajudicial, mais precisamente em solo policial, nos deparamos com o reconhecimento fotográfico dos acusados.  

 

Verifica-se que estamos diante de hipótese de declaração de nulidade dos reconhecimentos pessoais produzidos em sede inquisitiva, eis que não atenderam aos ditames do artigo 226, do CPP, devendo-se, ser desentranhados do processo, conforme mandamento irrevogável do artigo 157caput, do Código de Processo Penal.

Bem sabido que, para que uma prova seja considerada legal, ela deve ser produzida de acordo com o ordenamento jurídico vigente, a fim de que o magistrado possa proceder à sua avaliação e valoração dentro do cotejo probatório sob o manto do livre convencimento motivado redação dada pelo artigo 155, caput, do CPP.

O reconhecimento pessoal, de coisas ou até mesmo fotográfico que, frize-se, não previsto no ordenamento processual penal pois a bem ver é meio de prova anômala, para surtir efeitos dentro de um processo, deve estrita obediência à legalidade, neste caso, ser realizado sob o procedimento previsto no artigo 226, do CPP.

Trazemos, agora, o trâmite de reconhecimento por fotografia dos acusados em sede policial

(“Print 1”)

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A foto acima, tirada às fls. 57 do ID 10189653061 serve para esclarecer, não só a forma em que foi realizado o reconhecimento, mas para afirmar da impossibilidade de qualquer forma de reconhecimento.

 

Atente-se N. julgadora, o reconhecimento de um dos acusados realizado em delegacia, note bem a qualidade da referida foto onde aparece um dos acusados a foto é clara e os outros, supostas referências, estão escuras, tornando inviável a comparação.

 

E não é só isso que temos a demonstrar. Quero aqui que atente para a numeração do INFOPEM o reconhecido de um dos acusados tem numeração  652980, e dos demais muito abaixo dessa numeração, tudo fazendo crer ao reconhecedor que a foto clara e com numeração recente, só poderia ser de um dos acusados por estar muito distante dos demais supostas referências.

 

 

DA DINÂMICA DOS RECONHECIMENTOS

 

Trataremos, agora, da dinâmica em que ocorreram os reconhecimentos em sede policial.

 

(“Print 2)

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

O print acima, Meretíssima, foi tirado do ID 10189653060, confeccionado em sede policial no dia 05 de março de 2024 como consta às fls. 4 do ID 10289858275 e no destaque logo abaixo, que nessa data fora procedido o reconhecimento do acusado Samuel e:

 

“ENTRETANTO AS 03 VÍTIMAS NÃO RECONHECERAM O(S) SUSPEITOS” .

 

Embora como o atestado acima, de forma clara e emitida por autoridade policial dando conta do não reconhecimento do acusado pelas vítimas, no dia seguinte, ou seja, no dia 06 de março é procedido novo reconhecimento pela vítima Elvis Moraes que reconhece o acusado Jhonny às fls 57 do ID 10189653061.

 

No dia 07 de março de 2024 comparecem as vítimas Elvis Moraes, Carlos Henrique e Raul Gonçalves em sede policial e o Sr. Elvis Moraes e reconhece o acusado Gustavo da Fonseca, às fls 61 do ID 10189653061; Carlos Henrique reconhece o acusado Gustavo, às fls. 65 ID 101896653061, e o acusado Samuel da Silva, às fls. 69 do ID 10189653062 e, finalmente, Raul Gonçalves reconhe Samuel da Silva às fls. 73 do ID 10189653062.

 

Portanto Excelência, essa foi a dinâmica dos reconhecimentos feito em sede policial e, mais uma vez, chamo à atenção para o contido no “print 1 e seu destaque onde atesta-se o não reconhecimento dos suspeitos pelas 3 vítimas.

 

Em Juízo, sob o crivo do contraditório falaram as 3 testemunhas vítimas como segue:

 

Em síntese nenhuma das vítimas, Carlos, Raul e Elvis reconheceram o acusado Samuel da Silva. As mesmas foram unânimes em não se lembrar, muito menos, reconhecerem o acusado na empreitada criminosa a que sofreram.

 

 

Dessa forma, I. Magistrada, o reconhecimento fotográfico somente deve ser considerado como forma idônea de prova, quando acompanhada de outros elementos aptos a caracterizar a autoria do delito, o que não ocorreu no presente auto processante. Tudo porque o reconhecimento fotográfico em solo policial não restou confirmado em Juízo.

A produção de provas na fase inquisitorial, deve observar com rigor as formalidades legais tendentes a emprestar-lhe maior segurança, sob pena de completa desqualificação de sua capacidade probatória e é o que acontece no presente feito.

Como se vê, imperioso que o reconhecimento por meio de fotografia não pode ser, quando realizado em desacordo com a lei, meio de prova autônomo apto a embasar sentença condenatória. Exigia-se, no mínimo, por meio de impulso acusatório, requerimento para realização de reconhecimento pessoal do acusado por parte das vítimas. Entretanto, não há nenhuma providência neste sentido nos autos.

No caso dos autos o não reconhecimento em juízo do acusado não corroborou as métricas usadas em solo policial vindo de encontro com a verdade de que o acusado Samuel da Silva não participou do crime em que é acusado.

Data máxima venia, as alegações do MP de que os acusados foram reconhecidos tanto em sede policial quanto em Juízo, pág 2 do ID 10289858275, não deve ser levada em conta, pois quer fazer crer que o acusado Samuel da Silva também fora reconhecido, o que não é verdade, com o intuito de levar V.Exª a decretar édito condenatório. Essa defesa não pode ficar silente com tamanha inverdade.

Frisa-se, mais uma vez, além dos parcos reconhecimentos (que por óbvio, não gozam de força probatória autônoma), nada mais há nos autos que demande certeza sobre a autoria do acusado no crime sub judice.

Resumindo, não há provas suficientes que indiquem ser o acusado Samuel da Silva autor do delito ora sob julgamento.

Assim, o Parquet Estadual não se atentou para as disposições de Nosso Código de Processo Penal, especialmente aos comandos constantes do artigo 386, inciso IV, que determina seja decretada a absolvição do réu, desde que o Juiz reconheça (V) não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal.

Afastou-se o Insigne Promotor de Justiça da certeza imanente ao julgamento penal, ou seja, a verdade real, já que na justiça penal tudo deve ser claro e preciso, como uma equação algébrica, de onde, na falta de, via de consequência, impõe-se a absolvição do réu.


DA OITIVA DOS ACUSADOS EM JUÍZO


O acusado Samuel da Silva negou a a autoria delitiva, bem como Jhonny Batista, ao passo que Gustavo da fonseca assumiu a autoria delitiva e acusou os demais acusados da co-autoria da ação. 

Trata-se, na verdade, de um meio de prova anômalo. Não é testemunho, pois como testemunha só podem servir aquelas pessoas equidistante das partes e sem interesse na solução da demanda, o que não acontece com o delator, especialmente quando também é réu.

É, nessa hipótese, realmente uma prova anômala, totalmente irregular, pois viola o princípio do contraditório, uma das bases estruturantes do processo penal. Como a acusação surge, a rigor, no interrogatório em juízo deixa de existir o contraditório

 

"O depoimento do cúmplice apresenta graves dificuldades. Tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem, outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil, ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas colocadas em altas posições

 

Os nossos tribunais tem imposto restrições a tal meio de prova. 

 

Vejamos:

 

"A incriminação feita pelo co-réu, escoteira nos autos, não pode ser tida como prova bastante para alicerçar sentença condenatória ." (Ver. Crim. 103.544, TACrimSP, Rel. Octavio Roggiero).

 

"Não se pode reconhecer como prova plena a imputação isolada de corréu para suporte de um 'veredictum' condenatório, porque seria instituir-se a insegurança no julgamento criminal, com possibilidade de erros judiciários. "(Rev. Crim. 11.910, TACrimSP, rel. Ricardo Couto, RT 410:316).

 

Sobre esse tema, o Desembargador ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, com propriedade, acentua que:  


 

"Temos para nós que a chamada do corréu, como elemento único de prova acusatória, jamais poderia servir de base para uma condenação, simplesmente porque violaria o princípio constitucional do contraditório. Diz o art. 153, § 6.º da Constituição Federal , que a 'instrução criminal será contraditória.


Ora, se ao atingido pela delação não é possível interferir no interrogatório do acusador, fazendo perguntas ou reperguntas que poderão levar a verdade ou ao desmascaramento, onde estará sendo obedecido o princípio do contraditório?

 

Tudo para concluir que:

 

"Dos co-denunciados do mesmo delito, por conseguinte, um não pode testemunhar nem a favor nem contra o outro, já que suas declarações mantém sempre o caráter de interrogatório, de tal modo que seria nula a sentença que tomasse tais declarações como testemunhos ."

 

 

Veja no julgamento do Habeas Corpus n.º 74.368-4-MG

 

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NECESSIDADE. ACERVO PROBATÓRIO PRECÁRIO E INSUFICIENTE A SUSTENTAR O DECRETO CONDENATÓRIO. DELAÇÃO DO CORRÉU ISOLADA DOS DEMAIS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. CONDENAÇÃO COM BASE EM INDÍCIOS. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO SEGURA.

Trata-se, consoante cediço, da positivação dos princípios do “in dubio pro reo” e do “favor rei”, segundo os quais em caso de dúvida deve sempre prevalecer o interesse do acusado. Ressalte-se, como consignado por TOURINHO FILHO, que, na verdade, a absolvição por falta de provas não se traduz num favor, mas numa consequência natural da ausência de prova da narrativa acusatória.

Desta forma

Por todo exposto, em homenagem ao Princípio do In Dubio Pro Reo, mostra-se inevitável a absolvição do acusado nos moldes do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.


DOS PEDIDOS


Por todo o exposto, requer sejam as Alegações Finais recebidas por Vossa Excelência, para fins de acolhimento dos pedidos e requerimentos subsequentes.

I. Requer seja a Ação Penal julgada improcedente para fins de decretar a absolvição do Acusado Samuel da Silva, em atenção ao Princípio do In Dubio Pro Reo, mostrando-se inevitável a absolvição do acusado nos moldes do artigo 386, inciso IV, V e VII, do Código de Processo Penal.

II. No entanto, caso este não seja o entendimento de Vossa Excelência, subsidiariamente, requer-se que seja afastada a circunstância majorante prevista no art. 157, § 2º-A, inciso I, do Código Penal.

III. Subsidiariamente, em eventual não acolhimento do item anterior, que seja reconhecimento a impossibilidade da cumulação das majorantes sendo utilizada apenas 01 fração para o aumento;

IV. Que seja, aplicada a continuidade delitiva nos delitos descritos, conforme fundamentação.

V. Requer, havendo condenação, seja a pena-base fixada no patamar mínimo legal, nos termos do art. 59, caput, do Código Penal; não sejam incidentes no caso em tela causas de aumento e diminuição da pena;

VI. Caminhando para a conclusão, caso Vossa Excelência entenda pela condenação, requer seja possibilitado ao Acusado recorrer em liberdade, nos termos do art. 283 do Código de Processo Penal.

 

 

Termos em que,

P. DEFERIMENTO.

Cotia, 22 de agosto de 2024

 

Hassan Usama M Samara

OAB/SP 492.498

 

 

 

 

 

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