Quando iniciei minha jornada no
Direito, nos idos da década de 1980, o Supremo Tribunal Federal era para mim —
como para tantos estudantes — um verdadeiro templo da razão jurídica.
Admirava profundamente os debates serenos e técnicos travados por ministros
como Paulo Brossard, Sydney Sanches e Francisco Rezek. Havia, naquela
composição, uma aura de equilíbrio, de sobriedade e de fidelidade ao texto
constitucional que inspirava respeito e consolidava o Supremo como guardião da
Carta Magna recém-promulgada.
Era um tempo em que o STF se
mantinha em seu devido papel de poder contramajoritário, mas sem
pretensões de se transformar em protagonista político. O Supremo de então era
discreto, mas firme; técnico, mas humano; independente, mas consciente de seus
limites institucionais.
Em suas decisões, predominava o primado do direito como ciência, e não a
vontade pessoal ou a militância ideológica de quem o interpretava.
Passadas algumas décadas, é
impossível não reconhecer o abismo que separa aquele Supremo que me inspirava
deste que hoje me causa perplexidade.
A atual composição do STF parece, muitas vezes, ter se distanciado de sua
função originária de guardião da Constituição, assumindo o papel de ator
político de primeira grandeza — um poder que se imiscui, com frequência
preocupante, nas competências dos outros dois.
Não é raro ver decisões judiciais
com forte conteúdo político, acompanhadas de discursos morais e
ideológicos. O que antes era o exercício técnico da jurisdição constitucional,
hoje se confunde com o ativismo judicial — um fenômeno que, embora tenha raízes
teóricas respeitáveis, em nosso contexto se converteu em uma prática perigosa
de substituição da vontade popular pela vontade de poucos togados.
É impossível abordar esse tema
sem mencionar alguns dos protagonistas do atual cenário.
O ministro Gilmar Mendes, cuja erudição é inegável, tornou-se símbolo de
decisões contraditórias e de um personalismo que compromete a imagem de
imparcialidade da Corte.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, encarna a face mais
autoritária de um Supremo que passou a concentrar poderes desmedidos,
especialmente em matérias de natureza política e criminal.
E o ministro Roberto Barroso, com seu discurso messiânico sobre “a
revolução da felicidade”, parece, por vezes, confundir o tribunal com uma
tribuna de militância progressista.
O problema não é o brilho
individual de cada ministro — pois o saber jurídico de muitos é inquestionável
—, mas o uso indevido desse brilho para iluminar caminhos que fogem da
Constituição e se projetam sobre o terreno pantanoso da política.
Outro ponto que agrava a crise de
legitimidade do Supremo são as indicações presidenciais recentes.
Quando o mérito cede espaço à conveniência política, o resultado é a percepção
de que o STF se tornou uma extensão do poder Executivo, e não um freio a
ele.
A nomeação de Cristiano Zanin, advogado pessoal do presidente, e de Flávio
Dino, ex-ministro da Justiça e aliado político do governo, evidenciam esse
fenômeno.
Agora, cogita-se a indicação de Jorge Messias, atual Advogado-Geral da
União e correligionário do presidente da República — o que reforça a sensação
de captura institucional.
A Corte que outrora simbolizava a
imparcialidade republicana parece hoje partidarizada, comprometendo a
confiança da sociedade na justiça constitucional.
A toga, que deveria proteger a independência, vem sendo usada — ainda que
simbolicamente — como instrumento de poder político.
Não escrevo estas linhas movido
por rancor, mas por tristeza de quem viu o Supremo se transformar, de
uma instituição admirada, pautada por luminares como Brossard, Rezek e Sanches,
para uma arena de protagonismos individuais e decisões de impacto político
direto.
A crítica, neste caso, não é à existência de juízes humanos, com opiniões e
convicções — mas ao esquecimento do princípio fundamental de que juízes não
governam, juízes julgam.
Ainda assim, conservo uma
esperança — a de que o STF reencontre seu caminho, reencontre sua grandeza e
volte a ser o farol da estabilidade jurídica e democrática que um dia foi.
Que os futuros ministros, ao tomarem posse, se recordem de que a toga não é
um escudo para proteger governos, mas um símbolo da defesa da Constituição e da
liberdade.



