segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

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A Nova Lei nº 15.272/2025

Transformação da Audiência de Custódia:

Avanços, Retrocessos e Riscos Constitucionais

A Lei nº 15.272/2025 introduziu mudanças substanciais no Código de Processo Penal brasileiro, especificamente na disciplina das audiências de custódia. Embora apresentada como um mecanismo de “modernização” e “fortalecimento da segurança pública”, a alteração promove uma verdadeira mudança de finalidade desse ato processual, deslocando-o de um procedimento de garantia e controle de legalidade para um instrumento de aferição de periculosidade e viabilidade de prisão preventiva, dentre outras.

A seguir, analiso de forma técnica, crítica e detalhada as principais inovações, seus impactos e suas possíveis inconstitucionalidades, dando um caminho a ser seguido por profissionais que militam na área criminal.

Finalidade Original da Audiência de Custódia

Antes da Lei nº 15.272/2025, a audiência de custódia tinha como núcleo essencial:

  1. Verificar se a prisão era legal.
  2. Avaliar se houve maus-tratos, abusos ou tortura.
  3. Decidir sobre a manutenção da prisão, concessão de liberdade ou aplicação de medidas cautelares.
  4. Garantir que o preso fosse apresentado rapidamente à autoridade judicial (arts. 306 e 310 do CPP).

A prioridade era a proteção do indivíduo diante do poder punitivo estatal, dando asas à críticas de vários setores da sociedade clamando pelo fim das Audiências de Custódia. Muitos vídeos correram as redes sociais mostrando Juízes oferecendo cafezinhos para custodiados presos, e isso com forte influência das normas internacionais incluindo o Pacto de San José da Costa Rica.

Com a nova lei, esse paradigma muda de forma profunda.

Principais Alterações Introduzidas pela Lei nº 15.272/2025

Conversão da prisão em flagrante: critérios de periculosidade

Agora, a conversão do flagrante em prisão preventiva passa a ser condicionada ao que o legislador chamou de “indicadores objetivos de periculosidade”. Entre eles:

  • Histórico de descumprimento de medidas cautelares, o que evita as críticas, principalmente no meio policial, que se auto clamavam de “enxugadores” de gelo, por prenderem um indivíduo e o mesmo sair da audiência antes deles mesmos.
  • Indícios de risco de fuga;
  • Participação em organizações criminosas;
  • Uso de arma de fogo;
  • Natureza e circunstâncias do delito;
  • “Conduta social” e “histórico comportamental”.

O problema está na vagueza desses critérios. Termos como “conduta social” e “histórico comportamental”, por exemplo, abrem espaço para interpretações subjetivas, e consequentemente, discricionárias, isso para não falar em risco de fuga, como um juiz, numa análise genérica e sem material apto a mostrar-lhe a vida do indivíduo poderá avaliar o risco de fuga?.

Coleta de material biológico (DNA)

A nova lei prevê, como rotina na audiência de custódia, a coleta de material biológico de determinados custodiados para “fins de identificação criminal ampliada”.

Aqui reside um dos pontos mais criticados:

  • Viola o princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), só a título de curiosidade, saindo da matéria, estamos vendo na CPMI do INSS várias testemunhas munidas com “habeas corpus” não sendo obrigadas a responder perguntas dos senhores deputados/senadores para não se auto incriminar.
  • Não estabelece protocolo: quem coleta? Em que condições? Com quais garantias?
  • Transforma o custodiado em fonte obrigatória de dados genéticos sem condenação ou indicativo de uso proporcional.

Tal medida aproxima o sistema penal brasileiro de modelos de vigilância genética massiva, incompatíveis com a presunção de inocência.

Ampliação do rigor na audiência de custódia

A audiência deixa de focar predominante no tratamento dispensado ao preso e passa a assumir caráter quase inquisitivo de prognóstico de risco.

Esse deslocamento altera sua natureza jurídica e levanta dúvidas sobre violação da finalidade constitucional desse ato processual.

Obrigatoriedade de fundamentação mais detalhada

Este é o principal ponto positivo da lei. O juiz deve apresentar motivos concretos e individualizados, deixando de lado decisões padronizadas e genéricas, muito combatidas por profissionais do direito, tanto advogados quanto defensores públicos. Muitas da vezes aquela decisão genérica “Aplicação da lei penal”.

Na prática, isso reduz arbitrariedades e oferece material robusto para eventual habeas corpus, recurso ou revisão.

Implicações Práticas para a Atuação da Defesa

Aumento das exigências probatórias

Para que o juiz decida pela liberdade ou por cautelar diversa, a defesa deverá se preparar melhor e com mais rigor documental. Isso inclui apresentar:

  • Comprovação de residência fixa;
  • Vínculo familiar;
  • Histórico de comparecimento a atos processuais em outras ações;
  • Certidões que demonstrem ausência de descumprimentos pretéritos;
  • Provas sobre inexistência de risco de fuga;
  • Dados profissionais (emprego, renda, vínculos comunitários).

Não que antes não necessitava apresentar certos documentos, principalmente para embasar os pedidos de Liberdade Provisória, mas agora estar mais atentos à peculiaridades da nova legislação. O ônus da defesa aumenta significativamente.

Como ficará nos crimes de drogas

Nos casos de tráfico ou associação, historicamente marcados por preconceitos judiciais, há risco de aplicação automática da periculosidade. Contudo, a defesa pode e deve:

  • Questionar a falta de elementos concretos;
  • Invocar o entendimento majoritário da Jurisprudência que o simples fato de se tratar de crime hediondo não impede, por si só, a concessão da liberdade provisória, só se mostrando válido o provimento que esteja devidamente fundamentado, nos termos do artigo 93, IX da Constituição Federal;
  • Impugnar presunções genéricas de organização criminosa;
  • Exigir demonstração formal do suposto risco de continuidade delitiva.

Questionamento da coleta de DNA

A linha defensiva deverá explorar:

  • Ausência de regulamentação técnica;
  • Inconstitucionalidade por violar o direito ao silêncio e à não autoincriminação;
  • Possível constrangimento ilegal se houver força física para coleta;
  • Ausência de relação entre coleta genética e necessidade cautelar;
  • Risco de armazenamento indevido de dados sensíveis.

A Crítica Central: Presunção de Inocência Ameaçada

A transformação da audiência de custódia em um momento de “avaliação de periculosidade” aproxima o sistema penal brasileiro:

  • de modelos preventivos agressivos,
  • menos jurídicos e mais securitários,
  • com forte conotação moralizante sobre o indivíduo preso.

Ao exigir que o juiz avalie periculosidade de forma acelerada, diante de alguém recém preso e sem acesso pleno ao contraditório, cria-se ambiente fértil para decisões baseadas em estigmas.

A coleta compulsória de material biológico reforça esse cenário, pois trata o custodiado como potencial culpado, não como presumidamente inocente.

Pontos Positivos, Apesar das Críticas

Nem tudo é retrocesso. Destacam-se:

  • Fortalecimento da fundamentação judicial;
  • Maior controle sobre decisões preventivas;
  • Possibilidade de padronização procedimental;
  • Aumento da transparência na análise dos requisitos do art. 312 do CPP.

Contudo, tais ganhos não compensam os riscos estruturais, que exigem vigilância da defesa técnica e controle jurisdicional rigoroso.

 Uma Lei que Reorienta a Audiência de Custódia e Exige Resistência Técnica

A Lei nº 15.272/2025 inaugura uma nova fase da audiência de custódia no Brasil. A mudança, entretanto, desloca o foco da proteção de direitos para a avaliação de periculosidade, criando tensões constitucionais significativas e ampliando o espaço para prisões preventivas.

Cabe à advocacia criminal, especialmente à defesa técnica preparada, atuar com precisão argumentativa para:

  • conter abusos,
  • exigir legalidade procedimental,
  • contestar critérios subjetivos de periculosidade,
  • questionar a coleta genética indevida, e
  • exigir decisões fundamentadas e individualizadas.

O sistema acusatório agradece.

Usama Samara

 

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