Segue, aqui, uma análise jurídica crítica e esclarecedora do Projeto de Lei 2162/23 — batizado pela imprensa como PL da Dosimetria, que ainda está em discussão no Senado Federal e ainda não foi aprovado.
O foco são as dúvidas sociais
mais recorrentes, sobretudo se a norma irá beneficiar ou não condenados comuns
por crimes hediondos (como estupro, tráfico de drogas e homicídio qualificado), como
alguns veículos de imprensa e mídias sociais estão propagando, ou se se limita
a impactar exclusivamente os condenados dos atos antidemocráticos de 8 de
janeiro de 2023 e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
As principais
Mudanças Propostas:
Alteração da contagem de penas
acumuladas
Atualmente, quando uma pessoa
é condenada por mais de um crime, o sistema penal, dependendo da forma em que o
crime ocorreu, soma as penas individualmente (chamado concurso material). O
projeto altera esse ponto no caso de crimes relacionados ao mesmo contexto
fático, como tentativa de golpe e tentativa de abolir o Estado Democrático de
Direito, (dois crimes) de forma que apenas a pena do crime mais grave prevalece,
com acrescimento fracionado em lugar da soma integral no cálculo final.
Um dos efeitos práticos é o
caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, cuja pena total ultrapassa 27 anos por
múltiplos delitos relacionados ao 8 de janeiro e tentativa de golpe, essa regra
pode reduzir substancialmente a pena total a ser cumprida, com estimativas de
cerca de 2 anos e 4 meses em regime fechado no caso específico dele.
Progressão de regime e remição
O texto também propõe mudanças
nas regras de progressão de regime e remição de pena:
- Progressão acelerada: passa a considerar,
segundo Pacote anticrime, para primários, regra de um sexto (16,67%), (20%)
reincidentes sem violência, (25%) primário com violência do cumprimento da
pena para progressão de regime em casos específicos.
- Remição em prisão domiciliar: expressamente
permite que dias de pena possam ser remidos por trabalho ou estudo mesmo
em regime domiciliar, uma inovação em relação ao texto atual da Lei de
Execução Penal.
O mais importante: o PL é
específico E NÃO FOI FORMULADO PARA BENEFICIAR TODOS OS PRESOS COMUNS no
sistema penal brasileiro como propagam as mídias nas redes sociais. Ele tem escopo
restrito às normas de dosimetria e execução penal em crimes relacionados à
tentativa de golpe e aos atos de 8 de janeiro de 2023, ou seja, seus efeitos
diretos se concentram nos condenados por esses fatos, incluindo figuras de alto
perfil como Jair Bolsonaro e outros líderes como figuras emblemáticas como a
chamada “Débora do Baton” e os participantes desses eventos.
Isso significa que o projeto,
do jeito que está para ser aprovado, não propõe mudanças que automaticamente
beneficiem criminosos comuns por crimes hediondos (estupro, homicídio
qualificado, latrocínio etc.) no que diz respeito às suas penas originais ou
estrutura de cálculo de pena principal. Ou seja, as regras penais gerais não serão
afetadas, nem crimes hediondos e graves, como homicídio qualificado,
latrocínio, estupro e tráfico de entorpecentes que continuam sujeitos às regras
de execução penal específicas para esses delitos, e exigem percentuais mais
altos de cumprimento de pena para progressão de regime (por exemplo, 40% a 70%,
dependendo da natureza do crime a partir de dispositivos que remontam à Lei de
Execução Penal e à jurisprudência dominante).
Em suma: o PL 2162/23 não
altera essas disposições para crimes hediondos ou violentos em geral, nem
propõe anistia ou perdão de tais crimes. Seu foco é outro e seu campo de
aplicação é o capítulo do Código Penal referente ao Estado Democrático de
Direito e contextos correlatos.
Mais uma vez afirmo, o projeto
altera normas de dosimetria e execução penal no âmbito específico de crimes
correlacionados à tentativa de golpe de Estado e aos eventos de 8 de janeiro de
2023. Ele não altera o regime legal de cumprimento de penas para crimes
hediondos e violência grave de modo geral e, portanto, não perdoa nem reduz,
automaticamente, as penas de condenados comuns por esses crimes, desculpe a
redundância, mas tem que ficar bem especificado, pois não atinge o núcleo duro
das regras de individualização de pena para crimes comuns, que seguem regidos
pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal sem a interferência proposta
neste PL.
Daqui para frente, após
aprovado tal projeto, haverá muitos debates doutrinários sobre se essa redução
expressiva que poderia equivaler a uma “anistia indireta” no plano prático,
porque a pena pode ser drasticamente reduzida a ponto de tornar-se uma punição
simbólica em comparação com a pena originalmente imposta. É um ponto que pode
gerar discussão jurídica e constitucional pós-sanção, inclusive perante o STF
ou controle de constitucionalidade.
Concluindo:
- O PL 2162/23 não altera o regime penal aplicável
a crimes hediondos ou comuns, nem concede anistia ampla a criminosos de
rua.
- O foco do projeto é revisar regras de dosimetria
e execução penal relacionadas aos crimes de ataque ao Estado Democrático
de Direito, afetando diretamente os condenados dos eventos de 8 de janeiro
e crimes correlatos, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
- A redução de pena decorre da forma de cálculo e
progressão de regime, não de perdão do crime em si, ainda que, na prática,
o efeito tenha um impacto relevante sobre a duração da pena.
- A proposta é controversa no plano político e
jurídico e tende a ser objeto de debate constitucional, político e
jurisprudencial no Senado e, possivelmente, no STF.
Usama
samara
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