terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito -

 

Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito

 ANISTIA

Reflexões sobre o crime e sua tipicidade à Luz dos Acontecimentos de 8 de janeiro de 2023

 

O crime de abolição violenta do Estado democrático de direito, tipificado no Código Penal Brasileiro, é considerado uma das infrações mais graves, dada a sua natureza atentatória ao funcionamento das instituições democráticas e à soberania popular. Contudo, em situações como os eventos de 8 de janeiro de 2023, onde manifestantes radicais invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília, surge uma questão importante: como garantir que as prisões e as condenações estejam em consonância com o princípio da individualização da pena, sem que a punição recaia de forma indiscriminada sobre todos os envolvidos, sem uma análise detalhada de suas condutas?

Esse episódio, além de levantar debates sobre a tipicidade do crime de abolição violenta, trouxe à tona a problemática da prisão em massa e das penas desproporcionais, questionando se o processo penal brasileiro tem sido capaz de equilibrar segurança pública e justiça de maneira justa e equitativa.

O artigo 359-L do Código Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), estabelece uma punição severa para quem utilizar a violência ou grave ameaça com o objetivo de destruir ou desestabilizar as instituições democráticas. Em tempos de crescente polarização política, a criação de um tipo penal como esse é fundamental para preservar a ordem democrática, que se alicerça na Constituição Federal e no princípio da soberania popular.

A tipicidade desse crime exige a utilização de meios violentos ou de grave ameaça. No entanto, o grande desafio está em distinguir as condutas daqueles que realmente atentam contra o Estado democrático e as ações de manifestantes ou indivíduos que, em algumas situações, podem ter participado de forma mais passiva ou com um grau menor de envolvimento.

Prisões em Massa e a Questão da Individualização das Condutas

Após os atos de violência em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, foram presas milhares de pessoas relacionadas aos ataques aos Três Poderes. No entanto, surgiram sérias críticas sobre a ausência de uma individualização das condutas desses indivíduos. Muitos dos presos eram manifestantes que, por diferentes razões, participaram de atos de protesto, nem sempre com envolvimento direto nas ações violentas, como depredações e invasões.

 

O princípio da individualização da pena, consagrado na Constituição e no Código Penal, exige que cada caso seja analisado de forma individualizada, levando em conta as circunstâncias do fato, a autoria e a participação no crime, a intenção do agente e sua responsabilidade. Contudo, a prisão de um grande número de pessoas, muitas delas com menor envolvimento nas ações violentas, coloca em dúvida a proporcionalidade das respostas do sistema de justiça.

Não se pode passar despercebido um dos casos que ganhou notoriedade que foi o de uma cabeleireira condenada a mais de 17 anos de prisão por, aparentemente, ter escrito a expressão "perdeu mané" em uma estátua que simboliza a Justiça e está localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal, durante os protestos de 8 de janeiro. A acusada, segundo relatos, não estava diretamente envolvida em atos de violência, mas sua mensagem escrita, que foi apagada com água e sabão, foi considerada como parte do movimento golpista que atentava contra as instituições democráticas.

A grande questão que surge em relação a esse caso é: será que a punição aplicada a ela foi proporcional? A pena de mais de 17 anos para alguém que aparentemente fez uma manifestação de apoio em um contexto de violência política reflete um problema de distorção no processo de responsabilização penal? É questionável se uma ação isolada, sem envolvimento direto em atos violentos ou em tentativa de derrubar o regime democrático, deve ser tratada da mesma maneira que ações de depredação, incitação ao golpe ou tentativa de invasão de instituições.

Esse tipo de situação coloca em evidência o risco de que, ao tratar de forma indiscriminada os participantes das manifestações, sem observar as particularidades de cada caso, o sistema judiciário possa acabar punindo de maneira desproporcional pessoas que, embora possam ter cometido atos ilegais, não estavam no centro da violência ou da tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.

A intenção do legislador ao criar o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito, buscou garantir a preservação das instituições democráticas diante de ameaças violentas. O legítimo interesse do Estado é proteger a democracia e garantir que atos de violência política sejam punidos severamente, dentro dos limites da severidade.

Contudo, a questão da proporcionalidade das penas não pode ser ignorada. As penas excessivamente severas, como no caso da cabeleireira, podem dar a impressão de que o sistema de justiça está sendo rigoroso demais, punindo de maneira desmedida e sem a devida análise das circunstâncias e intenções dos envolvidos. Essa abordagem pode acabar gerando uma sensação de injustiça e desconfiança em relação ao processo judicial, deixando transparecer um julgamento meramente político, principalmente quando as ações de alguns indivíduos parecem ser muito mais brandas em comparação com os atos de violência direta que marcaram o dia 8 de janeiro.

O episódio de 8 de janeiro trouxe à tona a importância da individualização da pena e da proporcionalidade das condenações. Embora a proteção do Estado democrático de direito seja essencial e deva ser garantida com rigor, é igualmente importante que o sistema judiciário atue com discernimento e análise crítica sobre as condutas individuais de cada envolvido. A aplicação da pena deve ser baseada em provas claras e deve respeitar os direitos fundamentais dos acusados, para evitar que pessoas, que não participaram diretamente das ações violentas ou subversivas, sejam punidas de maneira desproporcional. A justiça deve ser capaz de diferenciar aqueles que são realmente responsáveis pela violência daqueles que, por diferentes motivos, estiveram presentes nas manifestações, mas sem a intenção de subverter a ordem democrática.

Portanto, a reflexão crítica sobre esses casos é fundamental, pois surgiu a hipótese de anistia aos condenados pelos atos antidemocráticos em uma acalorada discussão no Congresso Nacional e no país, para sanar as injustiças a que foram submetidos, não apenas para preservar o Estado democrático de direito, mas também para garantir que o sistema de justiça seja justo, proporcional e humanitário.

 

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